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Antes de começar é preciso dizer que esse texto não existiria sem um outro texto, escrito pelo melhor jornalista que conheço na atualidade. Leandro Iamin, palmeirense de respeito, escreveu “Asa Branca e os Olhos Verdes” que deveria falar só de futebol, mas que acaba falando de muito mais. Isso posto, vamos ao texto.

No mesmo ano em que o PT tem, talvez, o mais importante processo de eleições internas de sua história, Luiz Gonzaga completaria 70. Gonzaga, de composições lindas, interpretações magistrais e uma história tão brasileira quanto a de outros tantos brasileiros responsáveis pelo PT, que acabou sendo responsável direta ou indiretamente por boa parte da esquerda nacional {{PSOL, PSTU, REDE e afins}}.

E enquanto ressoam nos auto-falantes desse escriba já meio sem vontade, alguns versos cantados por Gonzaga, em algum canto entre o WhatsApp e o Facebook, entre um diretório político e um sindicato, duas pessoas focam em suas diferenças na visão do país ao invés de tocarem tantas semelhanças. Nada de novo no fronte, a esquerda {{da direita não falo, porque não conheço}} sempre foi assim.

Tudo em vorta é só beleza,
Sol de Abril e a mata em frô
Mas Assum Preto, cego dos óio
Num vendo a luz, ai, canta de dor

Talvez por ignorância, ou simplesmente vontade de ter seu umbigo disposto à frente dos demais, as discussões ficam em torno do meme disso ou da frase daquele outro. Ou da postura parlamentar deste que não é tão de esquerda quanto aquele. E enquanto isso o nosso presidente ilegítimo diz, em pleno 8 de março {{data em que naturalmente os homens disfarçamos um pouco nossas convicções machistas}} diz ao país que tem convicção do papel da mulher cuidando das casas. E que elas ajudam na economia porque sabem o preço dos produtos no mercado.



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Ao mesmo tempo em que o presidente da Câmara diz que a proposta de terceirização do governo Temer {{criticada até por, vejam vocês, Paulinho da Força Sindical}} é muito tímida e afirma, à luz de uma realidade que parece não ter nenhuma, que a justiça do trabalho não deveria sequer existir.

Nas ruas as mulheres fazem uma militância linda e digna da luta. Enquanto outras tantas me comentam do medo de serem agredidas pelo próprio movimento, questões justas, todas elas, e que dizem respeito a elas e somente elas.

As ruas já não se movimentam como antes, talvez por cansaço ou simplesmente pela necessidade real de se ganhar algum tostão furado, tragédias do cotidiano. Mas o fato é que enquanto um faz da prefeitura um palco digno das farsas italianas que deram origem à Commedia dell’arte em pleno século XV, o outro é solenemente ignorado e o pai de todos dá declarações bizarras uma depois da outra. E tudo segue depois dos 3 sinos desse teatro tão capenga quanto os orçamentos de cultura país adentro.

{{Foto: Divulgação oficial de um evento em Hong Kong, sem créditos d@ fotógraf@}}

 

Assum Preto veve sorto
Mas num pode avuá
Mil vezes a sina de uma gaiola
Desde que o céu, ai, pudesse oiá

Hoje não há mais ditadura. Todas e todos nós podemos sentar e conversar e discutir e propor e nos manifestar. Ah mas os negros, as mulheres negras… Sim, não estou dizendo que está tudo em perfeito estado nem querendo diminuir as lutas mais do que justas de algumas minorias {{em direitos, não em número de pessoas}}. Mas hoje somos livres.

E se livres somos para pensar e agir, o fato de não existir um inimigo como a ditadura talvez seja nosso maior problema. Não deveria, diante de tantos retrocessos óbvios para qualquer esquerda seja PT ou PSTU, seja PSOL ou Rede. Mas enquanto o PT finge não ter feito um péssimo segundo mandato com Dilma, parte da esquerda finge não ter responsabilidade nenhuma sobre a queda dela. E enquanto vamos todos nós fingindo um sorriso infantil, cegos ante a obviedade do que está em jogo, cantamos de dor, por não ver o céu ou saída alguma.

Assum preto, o meu cantar é tão triste como o teu. Também roubaram o meu amor, que era a luz, ai, dos olhos meus.

O texto se encerra com a esperança de que um fio de maturidade surja tão real quanto a volta de Jesus Cristo, para nos mostrar que é melhor bater em Temer, que bater em quem também crê em um mundo menos desigual. Mas a lembrança de outro canto da Itália, forte como a impotência em que vivemos cai como o pano de qualquer comédia.

Deixai fora toda esperança, vós que entrais.

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