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Apenas a título de curiosidade… E para pararmos para pensar antes de sairmos defendendo o CC. Podemos defendê-lo, mas é preciso relativizar a sua imparcialidade…

Google e Creative Commons

 

ENTREVISTA DA 2ª ROBERT LEVINE

Chegou o momento do contra-ataque da indústria da cultura

JORNALISTA DIZ EM LIVRO QUE EMPRESAS DE TECNOLOGIA FINANCIAM INSTITUIÇÕES PRÓ-ABERTURA GRATUITA DE CONTEÚDO NA INTERNET


Câmera de papelão e madeira em ato por privacidade digital realizado em Berlim 

NELSON DE SÁ
ARTICULISTA DA FOLHA

O jornalista americano Robert Levine foi editor da revista “Billboard”, que cobre música, e antes trabalhou na “Wired”, sobre tecnologia.
Acreditava que a indústria fonográfica e os produtores de conteúdo em geral deveriam abrir seus produtos, gratuitamente, na internet.
Até notar, aos poucos, que as empresas de tecnologia cresciam lucrando com os mesmos produtos, mas resistiam a pagar por eles.
Passou a “seguir o dinheiro” e levantou que as instituições que defendem abrir tudo na internet são financiadas pelas mesmas empresas de tecnologia. Que o Creative Commons, por exemplo, recebeu US$ 1,5 milhão do Google em 2008 e mais US$ 500 mil em 2009.
O resultado é o livro “Free Ride” (“Carona Grátis”), que faz, ao longo de 320 páginas, um relato detalhado de “como a internet está destruindo a indústria da cultura” e sugere “como contra-atacar”.
O livro foi lançado no Reino Unido há dois meses, com elogios do “Financial Times” e restrições do “Independent”, e sai nos EUA no dia 25. A seguir, trechos da entrevista, feita por telefone.


Folha – Você escreve que o conflito em torno da internet não é entre ativistas e empresas de mídia, mas econômico, entre empresas de tecnologia e de mídia, de conteúdo.
Robert Levine –
 Era o ponto principal que eu queria abordar. As pessoas veem essas questões em termos de bem e mal. Quando você tem empresas, elas tendem a agir segundo seus interesses econômicos, a fazer o que dá dinheiro. Na internet, você está falando de grandes provedores, Verizon, AT&T, e de Google, Facebook. Mas os ativistas ainda falam, por exemplo: “Somos nós contra as grandes empresas de mídia”. Mas a indústria fonográfica já não é tão grande, comparada ao Google, e é pequenina, se comparada às teles.

Qual foi seu ponto de partida?
Eu trabalhei na “Wired”, tempos atrás, e acreditava que as gravadoras eram antiquadas, atrapalhavam o progresso. Com o tempo, pensei: “Espera aí, muitas dessas empresas de internet não querem pagar por conteúdo”. O Napster ainda tinha um plano para pagar por conteúdo. Não era bom, mas era um plano. Glogster, não. Limewire, não. A ideia sempre foi fazer um livro crítico, mas nem tanto quando acabou sendo. Descobri que havia todo esse dinheiro que os ativistas recebiam. Temos uma frase no jornalismo americano, “siga o dinheiro”, não tenho certeza da origem, mas apareceu em Watergate.

A origem foi o roteirista do filme [William Goldman].
Exato, “Todos os Homens do Presidente”. OK, você conhece a sua cultura pop. (risos) Para mim, é o que você faz, como jornalista: você segue o dinheiro. E eu examinei o Creative Commons e [seu fundador] Lawrence Lessig, o Center for Internet and Society, da Universidade Stanford, a New America Foundation. Muita gente me disse, “eles são legais, boas pessoas”. Provavelmente são, não penso que ninguém seja o mal. O mal é matar alguém, não infringir “copyright”. Mas eles são enviesados.
Parte do financiamento dessas instituições vem das empresas de tecnologia.
Muito do financiamento vem. E o que é interessante é que as pessoas não sabem. Como é que esses ativistas recebem todo esse dinheiro do Google e ninguém diz nada? Trabalhei seis meses no levantamento da proposta para o livro. Mais e mais eu me surpreendia. Comecei a pensar: “É um conflito de negócios: Quem vai controlar a distribuição de música é a Warner ou o Google?”. Não penso que as gravadoras sejam o bem ou que o Google seja o mal. Sou um jornalista de negócios. Não é estranho que alguns dos ativistas não saibam de onde vem o dinheiro do Creative Commons?

Gilberto Gil e outros artistas, como Radiohead, tentam incorporar a distribuição grátis via internet. O que você acha?
O que o Radiohead fez foi realmente esperto. Eles conseguiram mais dinheiro ainda com aquele álbum, o que deram de graça. Deixaram você pagar o que queria, conseguiram muito dinheiro e promoveram sua turnê. Foi realmente inteligente. Por outro lado, o Radiohead pôde fazer isso porque já era famoso. E já era famoso porque, por um lado, na minha opinião, é uma das bandas mais talentosas que há, mas também porque teve muita promoção da EMI.

Para começar.
No começo. Você tem muitos artistas talentosos que ninguém conhece. A EMI gastou muito falando ao mundo sobre o Radiohead. Imagino que a Philips tenha gasto muito dinheiro para falar ao mundo sobre Gil. Tenho vários daqueles discos, mas não conheço tanto a história. Mas ele estava na TV brasileira. Quando se torna conhecido, você não precisa de uma gravadora, mas quem será o Gilberto Gil de amanhã?

O livro aborda também imprensa e TV. Diz que houve duas formas de tratar a internet, no início: a primeira seguindo a opinião geral e abrindo quase tudo, caso do “New York Times”, e a segunda mantendo o conteúdo fechado, caso do “Financial Times”, o que fez toda a diferença. E daqui para a frente?
A indústria de jornais nos EUA e no Reino Unido sempre foi ligada à publicidade. Há dez anos, a divisão tradicional era de 85% de recursos oriundos da publicidade e 15% da venda de exemplares. Se você examinar os EUA, a proporção do PIB que vai para publicidade não mudou muito desde 1995. O PIB sobe e desce, mas o percentual se mantém. Você tinha, digamos, essa torta que sustentava jornais, TV, revistas. Agora você corta essa torta pela metade. Google e Facebook ficam com um lado. Todos os jornais e todas as TVs disputam o outro. Eles têm de vender o conteúdo, não têm alternativa. Não sei se vender o conteúdo vai funcionar, mas sei que distribuí-lo de graça na internet não vai. Não para um jornal ambicioso, que gasta muito com seu conteúdo. Não são todos os que cobrem guerras, esse tipo de jornalismo, mas, se quer ser um grande jornal, tem que cobrar.

Vale para os emergentes?
Pode ser diferente no Brasil ou na Índia, porque suas economias estão se expandindo. Não sei muito do Brasil, mas, quando uma economia cresce mais rápido, você tem mais pessoas na classe média e mais gastos, internamente. E, quando você tem mais gastos internamente, aí a publicidade realmente decola. Mas é muito difícil fazer previsões sobre o Brasil, porque é um país tão grande, com tantas diferenças. Mas, num país desenvolvido, você tem que vender as notícias. E acredito que as pessoas vão comprar. Eu pago US$ 23 por mês pelo “New York Times”. Se mudarem amanhã para US$ 33, continuaria pagando. As pessoas são muito sensíveis à conveniência ao pagar, elas querem que seja fácil, mas não creio que se importem tanto com o custo. A maioria dos americanos paga US$ 60 por mês pela TV a cabo.

Muitos canais, nada para ver.
US$ 60 pelo cabo ou US$ 30 pelo “NYT”? Para mim, US$ 30 pelo “NYT”. Nos EUA, o iTunes aumentou o preço das músicas de US$ 1 para US$ 1,29. Vendeu 13% menos músicas, mas obteve 20% mais dinheiro. É inteligente.

Por que você escreveu sobre direitos de músicas, jornais, filmes, e não sobre patentes de forma geral?
Uma das razões é que patente é uma questão de vida ou morte. Se você precisa muito de um remédio e não pode pagar, você pode furtá-lo. Eu não posso dizer que seja algo ruim você estar furtando remédio. Mas se você furtar um álbum do Led Zeppelin…

Não é a salvação da vida de ninguém, necessariamente.
Espera aí, para mim é. (risos) Mas eu cresci em Connecticut, não havia nada para fazer. Mas são coisas diferentes. Você tem o direito de expropriar propriedade intelectual americana se vai salvar vidas? A resposta é talvez. Mas você tem o direito de expropriar “Gossip Girl”? Aí é algo difícil de defender. Se você examinar o que acontece na Organização Mundial de Propriedade Intelectual, na ONU, muitas pessoas do Creative Commons e do Google confundem as duas questões, “copyright” e patentes. Para mim, são diferentes.

{{não acredite em mim – folha de São Paulo}}



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