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Depois de três anos de denúncias, boicotes à sala de aula, protestos e até mesmo pedidos de transferência de alunas que não suportaram continuar na faculdade, estudantes aguardam o posicionamento da Universidade Federal Fluminense-UFF/Campos com relação a um professor do curso de Ciências Sociais da instituição acusado de cometer assédio sexual contra inúmeras de suas alunas. O professor está afastado temporariamente das atividades acadêmicas.

A letargia administrativa e o silêncio da reitoria da UFF no caso tem sido tamanhos que as primeiras denúncias ocorreram no início de 2014. Como na época havia um clima de medo e falta de orientação jurídica, as alunas não formalizaram as suas denúncias. No entanto, ao longo destes anos, uma quantidade crescente de estudantes passou a revelar episódios de assédio semelhantes. Elas citam momentos em que o professor enviava mensagens “românticas” e/ou de conotação sexual por celular, além de elogios e críticas ao corpo das alunas, tentativas de coerção para que cedessem às suas investidas, perseguições e situações de desconforto, constrangimento e medo, dentro e fora da sala de aula.

Com a lentidão da universidade para reagir às denúncias, dezenas de alunos – entre mulheres e homens – passaram a desenvolver uma série de ações diretas, como boicotes em massa às aulas ministradas pelo professor, além de manifestações, palestras e mesas de discussão sobre assédio sexual, promovidas pelos centros acadêmicos também mobilizados contra a denúncia.



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Os protestos fizeram com que, em 2016, duas estudantes notificassem seus casos à Ouvidoria da UFF. Com a pressão estudantil, abriu-se uma sindicância, cujo relatório final concluiu pela necessidade da instauração de um processo administrativo disciplinar que apurasse a conduta funcional do professor. Mas, por ordem do reitor, o processo administrativo foi instaurado somente em 22 de maio de 2017. Curiosamente, o caso saiu das gavetas da reitoria logo após estudantes procurarem a Polícia Federal para dar continuidade às denúncias; a PF, então, solicitou oficialmente à instituição a cópia integral do procedimento.

Em 25 de setembro, a Comissão de Processo Administrativo Disciplinar da universidade finalmente pediu o indiciamento do professor, que teve 10 dias para responder às acusações. Seu prazo final foi até 5 de outubro. Tanto o conteúdo que consta no relatório elaborado pela comissão como a resposta do professor são sigilosos.Agora, os documentos estão em posse do reitor da UFF, Sidney Luiz de Matos Mello, que deve decidir, ou não, pela exoneração do professor de seu corpo docente.

O apelo à Polícia Federal

O delegado Paulo César Barcelos Cassiano Júnior é quem assina o inquérito da Polícia Federal, que possui 52 páginas e traz relatos que corroboram a postura do professor por meio de depoimentos de 16 estudantes, 2 professoras e 2 professores. No inquérito, as palavras medo e constrangimento são citadas 24 e 20 vezes, respectivamente.

Uma das professoras, relata no documento que o docente é “no mínimo inconveniente” e “pegajoso”, mas também “muito astuto”. Outros termos usados para descrever o comportamento do professor com as alunas são desconforto, repulsa, nojo, sem graça, coagida.

“Dá para perceber perfeitamente que as alunas só decidiram procurar o auxílio da Polícia Federal porque a situação chegou ao limite do insuportável, fomentada pela total inoperância da UFF em afastar o professor das atividades acadêmicas e da convivência universitária”, traz o parecer do delegado ao fim do inquérito policial.

Segundo o inquérito da Polícia Federal, as vítimas prediletas do professor têm mais ou menos o mesmo perfil: jovens, solteiras, inexperientes na vida acadêmica e, em sua grande maioria, vivendo a primeira experiência em outra cidade, longe da casa dos pais.

A fragilidade das estudantes são terreno fértil para as investidas do professor, que se aproveita de seu cargo para constranger alunas a se relacionarem afetiva e sexualmente com ele, apelando para um discurso de vitimização e dependência emocional.

O inquérito também aponta que acusado utiliza-se de vários recursos psicológicos para convencer as alunas.

“Pedi várias vezes que parasse, pois nossa relação era apenas de professor e aluna; as mensagens traziam um tom dramático, dizendo que eu estava fazendo ele sofrer e que ele estava pensando inclusive em se matar. Assim, tentava me sensibilizar para ceder.”, relata uma das vítimas.

Outra depoente do caso também menciona que o professor teria pedido para que não comentasse nada com ninguém, para não arruinar a sua carreira profissional. Por outro lado, ao sentir-se rejeitado, o docente teria mantido uma postura autoritária e tentado calar a voz das vítimas. Três das suas atuais denunciantes, após depoimento prestado perante a comissão de sindicância da UFF, foram demandadas judicialmente pelo professor, em processo por crimes de calúnia, difamação e injúria.

 

O contraditório parecer de uma Juíza federal sobre o caso

Ainda que o inquérito assinado pelo delegado federal tenha sido favorável às estudantes, concluindo que professor tenha praticado, ao menos, o crime de assédio sexual contra oito mulheres identificadas, o parecer da Juíza Federal Giovana Teixeira Brantes Calmón é um tanto contraditório.

O delegado havia pedido a prisão do acusado. O tipo penal de assédio sexual prevê pena de detenção até 1 a 2 anos para aquele que constrange alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.

No entanto, o pedido de prisão foi negado pela juíza, que afirmou que “não está configurada a seriedade de ameaça” e que “não resta claramente evidenciado nos autos que o indiciado esteja praticando o alegado assédio”.

Entre os depoimentos colhidos pela Polícia Federal contra o professor, chocam alguns relatos, como:

  • Estudantes que relatam incansáveis mensagens de texto, algumas, inclusive, em que ele próprio reconhece estar causando incômodo e desconforto nas alunas. Elogios e críticas ao corpo das estudantes também eram frequentes. Uma das alunas cita um momento cujo professor teria dito que ela estava muito magra. “Ele disse que eu precisava ganhar corpo, enquanto, em outra ocasião, que eu havia engordado, e que por isso estava ‘no ponto’”.
  • Estudantes que optaram por atrasar em um semestre a sua graduação, para não ter que cursar a disciplina de ciência política, de caráter obrigatório, cujo professor seria o professor.
  • Estudante que pediu transferência para uma faculdade em outro estado, somente para não voltar a encontrá-lo em sala de aula.
  • Estudante que, por conta da obsessão do professor, sofreu uma distorção de culpa e passou a mudar a maneira de se vestir nos dias de aula do acusado. Como ele não parou o assédio, a aluna optou por abandonar a disciplina, no ano de 2014.
  • Estudante que tentou expor sua orientação homossexual em tentativa de afastar as abordagens do professor mas ele, no entanto, propôs um encontro a três, com a inclusão da namorada da aluna. Disse, ainda, que ela era ‘feminina demais para ser lésbica’ e que sua homossexualidade tinha a ver com o fato dela não ter ‘experimentado um homem de verdade, que soubesse tocá-la’.
  • Estudante que desistiu de bolsa de estudos para projeto de extensão porque além do assédio em sala de aula, o professor sugeria reuniões de orientação em um hotel onde ele se hospedava, e no período da noite, após o encerramento das aulas.
  • Estudantes que se sentiam vigiadas e cercadas pelos corredores e cantina da universidade, bares da cidade e portaria de suas residências.
  • Estudantes que compartilhavam as suas tragédias particulares umas com as outras, entre situações de desconforto, constrangimento e medo.
  • Estudantes que relatam piadas maliciosas e comentários sexistas e homofóbicos, além de olhares lascivos e observações sobre o vestuário das alunas em sala de aula, além de tirar fotografias das estudantes e fazer trocadilhos sexuais.

Também uma professora afirma que pediu exoneração do cargo após ser assediada Em seu caso, ela alega que, como não retribuiu às suas investidas, o professor teria lhe atribuído uma carga horária muito mais elevada do que havia sido programada inicialmente, e incompatível com outros professores em condição semelhante. Desiludida quanto ao seu futuro e sob o comando de um assediador, a professora pediu o desligamento prematuro de seu vínculo com a universidade. Em seu relato apontado no inquérito da Polícia Federal, a professora manifesta indignação e pede providências.

“É inaceitável que mais meninas estejam passando por isso, garotas, que acabaram de entrar na faculdade e estão em uma condição ainda mais vulnerável do que eu. Espero que alguma coisa finalmente possa ser feita, para impedir que ele continue destruindo outras vidas. Eu tenho total clareza do quanto essa história impactou na minha trajetória, seja devido às oportunidades profissionais que perdi, aos contatos que eu perdi, porque o corporativismo em torno de casos como esses é muito grave e transfere para as vítimas o preço a ser pago, até os transtornos psicológicos que ficaram. O mínimo que pode ser feito é impedi-lo de continuar, seja como for.” (relato da professora no inquérito)

Histórico de assédio e agressão

O professor acusado por suas alunas teria feito, ainda, vítimas anteriores às denunciantes. Em agosto de 2012, a Universidade Federal Fluminense determinou a instauração de um processo administrativo disciplinar para apurar denúncia de agressão e ameaça contra M.F.S. Na época, a vítima era estudante do curso de serviço social da UFF e mantinha um relacionamento afetivo e extraconjugal por mais de um ano com o professor. Mas, como o término do relacionamento gerou irresignação por parte do acusado, iniciaram-se uma série de agressões psicológicas e físicas praticadas por ele. Por conta disso, M.F.S. ganhou direito a medida protetiva de urgência e o professor foi impedido de manter contato com a jovem, por qualquer meio de comunicação. Isso sem falar em sua transferência para o câmpus da UFF nesta cidade, motivada por um relacionamento com outra ex-aluna, igualmente conturbado.

O pedido de exoneração

Uma carta manifesto foi divulgada por estudantes que denunciaram o caso, comentando o assunto e cobrando que a reitoria da universidade julgue com Justiça o caso:

“(…) Se a justiça compreende haver assédio apenas em relações laborais o que nos protege a nós, estudantes, sabendo que existe vasto histórico de assédio por parte de professores em todo o país? Precisamos de mudança na legislação ou precisamos de interpretações mais empáticas e sensíveis às muitas situações a que os sujeitos estão submetidos e as particularidades de cada ação? Empatia e sensibilidade essas que encontramos no trabalho da Polícia Federal de Campos, mas que não se estende à Justiça Federal da cidade, e por toda a morosidade com que o assunto tem sido tratado institucionalmente, também não se estende à Universidade Federal Fluminense.(…)”

O outro lado

O professor acusado foi procurado pelo blog. Entre as perguntas enviadas estavam qual seu posicionamento sobre as denúncias de assédio e de tentar oprimir as denunciantes, bem como a postura do professor em sala de aula com relação ao tema do assédio sexual. Seu advogado respondeu que o professor não falaria sobre o assunto. Comentou ainda:

“(…) Posso assegurar que se [a jornalista] realmente teve acesso aos autos do inquérito e realmente pretende fazer alguma “pauta” sobre aquilo, que não se trata de algo sério. Procure a razão do pais estar nessa crise de valores morais na política? Escreva sobre a esquerda falida brasileira. Escreva sobre algo que mereça ser escrito e advirto: caso sejam divulgadas informações inverídicas e prejudiquem meu cliente, serão tomadas todas as medidas cabíveis, afinal de contas, a imprensa tem o dever de informar, mas tem o compromisso com a seriedade e verdade.”

Em um segundo e-mail, o advogado disse, ainda, acreditar que a jornalista “se trata de mais uma blogueira a ser utilizada para causar rebuliço”.

ImprenÇa também enviou solicitação à Universidade Federal Fluminense perguntando por que tardou tanto a abertura da Comissão de Processo Administrativo Disciplinar, para que a reitoria conclua, enfim, o processo administrativo. Perguntou, ainda, se haveria um parecer prévio sobre o assunto. Também foi questionado como a universidade acolhe denúncias de assédio sexual, atualmente e se há alguma política interna ou planejamento para combater crimes de assédio moral e sexual dentro da universidade. Segue resposta na íntegra:

“A UFF é uma autarquia federal regida por Leis próprias e pelo direito administrativo, bem como em regulamentos construídos a partir de sua comunidade. Os processos de sindicância e administrativos são construídos com base no trabalho de comissões, que seguem ritos visando proteger os direitos das pessoas conforme determina o Regime Jurídico Único dos servidores públicos federais. Os prazos das comissões são evidentemente respeitados, bem como o direito de defesa dos servidores indiciados.

Neste caso, em particular, o professor respondeu a um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) que foi concluído em 21/10/2015. O resultado desse PAD foi uma suspensão de 30 (trinta) dias, convertida em multa de 50% (cinquenta por cento) da sua remuneração. Em 2016, este mesmo professor respondeu a outro PAD (ainda em fase de conclusão) por assédio moral. Para que não houvesse risco de interferências do servidor na apuração das denúncias, o professor foi suspenso por um período de 60 (sessenta) dias. O tempo entre a acusação e a tomada de decisão final depende do trabalho de apuração da comissão, que deve respeitar o amplo direito de defesa do acusado conforme manda a nossa Constituição Federal.

O parecer da reitoria é baseado nos resultado do trabalho da comissão. A reitoria não interfere ou atua no processo e essencialmente acolhe a indicação da presidência da comissão, dentro da lei e das normas da UFF. A reitoria não ultrapassa o tempo regulamentar do seu parecer.

A universidade possui um canal para as denúncias de assédio sexual e violência em geral via ouvidoria. Em particular, a UFF criou em 2017, um canal especial para violência contra a mulher. Além disso, há uma cartilha que foi produzida pela UFF chamada “Cartilha de Prevenção à Violência Contra Mulheres”. A mesma pode ser acessada pelo endereço www.uff.br/grupo/ouvidoria

 

*Como o Processo Administrativo Disciplinar deve correr em sigilo, o blog ImprenÇa optou não publicar o nome do professor acusado, ainda que o inquérito da Polícia Federal mencionado no texto seja público, bem como o parecer da Juíza Federal, que também menciona seu nome. Estudantes ouvidas pelo blog também tiveram seus nomes preservados. A reportagem foi atualizada no dia 31 de outubro de 2017, às 14h20, após a assessoria de imprensa da UFF responder os questionamentos do blog.

 

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