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No relógio cravavam exatas 15 horas de sexta-feira, 01 de junho, fazia frio, mas no céu o sol hasteado irradiava sua luz, crianças empinavam pipas nas vielas, ruas de barro para pés descalços e o funk tocando alto em algumas casas no morro do Kibon.

São mais de 5 mil pessoas nessa nova ocupação {{Nota da Redação: Para saber mais sobre a ocupação no “Morro do Kibon” veja este link do Passa Palavra}} , onde fomos recebidos por Léo Sheik, produtor musical e morador da ocupação, e Rodrigo Smul, grafiteiro e arte-educador. Rodrigo Smul, Léo Shiek e outros artistas e arte educadores fundaram o CECRAN – Centro Cultural de Resistência Andreense, dentro da ocupação para levar a nascente comunidade, através de parcerias, oficinas, palestras e debates com temas importantes para os moradores.

Igor Santos: Essa ocupação tem quanto tempo?

Léo Sheik: Quase um ano, faremos aniversário agora no mês de junho, por pouco, você não veio cantar parabéns e comer bolo de aniversário. No começo foi bem complicado, esse terreno que você está vendo aqui é disputado por pelo menos três pessoas que se dizem proprietários. Mas a verdade é que sempre foi baldio e por pelo menos 15 anos era usado para dispensar carros roubados e deposito de lixo. Inclusive antes da ocupação coisa de uns três anos atrás ocorreram estupros e homicídios nesse terreno. A ocupação veio inclusive para isso, dar uma destinação social ao terreno e ocupar com pessoas o que antes era baldio e ocupado por crimes ou utilizado como lixão.



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Igor Santos: Como surgiu a ideia de ocupar esse terreno?

Léo Sheik: Minha família é moradora da primeira ocupação. Sempre nos chamava atenção esse terreno vazio e o crescente número de famílias ocupando áreas de risco do morro. Fruto de muitas conversas entre os moradores da região, decidimos que ocuparíamos esse terreno e foi assim, primeiro com madeira, lona preta e madeirites que ocupamos em junho do ano passado. Hoje, você já pode ver que alguns moradores já improvisaram ligação elétrica, sobem paredes de alvenaria, enfim estamos transformando um terreno baldio na nossa vila. Começamos em 10 moradores, hoje somos em torno de 5 mil pessoas. Como dizem, quando morar é um privilégio, ocupar se torna um dever. No início eram muitas dúvidas, como ocupar, o que fazer, como delimitar, a gente aprendeu fazendo. Nesse quase um ano, já vieram nos coagir com ameaças, gente se dizendo da policia, tanto me ameaçando quanto a outros moradores.

{{Foto: Cadu Freitas / ImprenÇa}}

 

Igor Santos: Como surgiu a ideia do CECRAN?

Léo Sheik: Acho que o Smul pode responder melhor, vou pontuando aqui uma outra coisa caso ele esqueça.

Rodrigo Smul: Já na segunda semana de ocupação, Léo me chamou para conversar, nos conhecemos de outros rolês de cultura, grafitti, funk e juventude periférica. Inicialmente era muito mais uma ideia de ajudar na numeração dos barracos. Com o tempo e pelo caminho fomos pensando em como trazer cidadania para a molecadinha. E o acolhimento da comunidade foi fundamental, bateu aquela empatia com os moradores. Daí, conversei com o Léo sobre a possibilidade de cederem um terreno para construírmos um espaço destinado a educação e cultura. E foi assim que a surgiu a ideia, algo que depois fiquei sabendo que já passava pela cabeça do Léo e havia sido levantado como uma necessidade entre os próprios moradores. Das telhas, ao madeirite, passando pela construção do barracão, onde é a sede do CECRAN, tudo feito com ajuda dos moradores. Importante lembrar também que, assim que o espaço estava pronto começamos uma campanha de doação de livros, que acredito, foi o ponta pé inicial. Os moradores vendo que fora da ocupação existiam outras pessoas solidarias com a luta deles por moradia, com a vontade de contribuir na formação dos seus filhos. Sem contar é claro que além das doações de livros, algumas pessoas ali já começaram a se prontificar a ministrar cursos e palestras para molecada.

{{Foto: Cadu Freitas / ImprenÇa}}

Igor Santos: O que significa a sigla CECRAN?

Rodrigo Smul: É o Centro Cultural da Resistência Andreense, falamos resistência, pois não é só por moradia, acreditamos que trazer cidadania para o Morro da Kibon é uma ótima forma de resistir. As pessoas do ‘asfalto’ falam em estado mínimo, aqui na ocupação não chegou nem saneamento básico, percebe a nossa luta? A nossa resistência é lutar para formar a molecada aqui, para que eles deixem de ser invisibilizados. Nossa trincheira é a arte e a educação e as nossas armas são o diálogo e a imaginação. Queremos devolver a essa molecada o direito de sonhar que roubaram dos pais deles.

Igor Santos: Quais oficinas o CECRAN oferece hoje?

Rodrigo Smul: A primeira oficina que oferecemos foi de cestaria com jornais, promovida pelo oficineiro e artista andreense, Jubileu. Estamos promovendo oficina de compostagem em conjunto com estudantes e ambientalistas, ensinando a comunidade a cuidar do solo e conscientizar sobre a produção de alimentos e produção de insumos. Todos os meses promovemos o encontro de mulheres em parceria com a Professora da Medicina ABC Silmara Colchão. Além disso também já oferecemos oficina de cultura popular brasileira, rima e grafitti. Cada atividade ocorre de acordo com a disponibilidade das pessoas que apoiam o projeto.

Igor Santos: Quais são as dificuldades que o CECRAN possuí para dar andamento aos trabalhos?

Rodrigo Smul: Precisamos de parceiros e que possa nos ajudar a manter uma equipe de educadores. Falamos de uma comunidade nascente com mais de 150 famílias e mais os moradores das comunidades vizinhas, que se utilizam do CECRAN para ter acesso à atividades culturais e de cidadania. Precisamos de equipamentos, como por exemplo, computadores, pois pretendemos começar um projeto de banco de memórias dos moradores mais velhos, sendo entrevistados pelas crianças, material de escritório e até mesmo alimentação. Muitas crianças veem em nossas atividades e precisam se alimentar. Hoje estamos operacionando na base do trabalho voluntario e doações de particulares. Precisamos de ajuda, desde oficineiros a até mesmo doações.

E para além disso, estamos no processo de viabilizar a construção da sede em alvenaria, para acompanhar essa nova fase da ocupação e para dar mais conforto e segurança para os frequentadores.

Léo Sheik: Fortalecer o CECRAN é fortalecer a comunidade, muito mais importante trazer cidadania para as nossas crianças. Eles não podem perder a fome de conquistar o futuro.

Igor Santos: E quanto a ocupação o que vocês podem falar?

Léo Sheik: Risco sempre existe de uma reintegração de posse, eu mesmo já sofri ameaças. Mas quando não temos nada, o que precisamos é ter coragem e disposição. O povo da ocupação não está pedindo nada que não seja obrigação do estado, queremos o nosso direito à moradia.

{{Foto: Cadu Freitas / ImprenÇa}}

Igor Santos: Podem deixar um recado final?

Rodrigo Smull: Nos sigam no Instagram (@cecran_) e Facebook, nos ajudem a fortalecer esse projeto. Agradeço a você e a sua equipe. Peço aos leitores que nos ajudem como puderem. Mais uma vez obrigado.

Léo Sheik: Fico muito grato a equipe e a você, por virem aqui nos ouvir e contar a nossa história a partir de nós. Aqui é o Brasil que não passa no Jornal da Globo.

 

*Igor Santos, Cearense, Historiador, Jornalista e Morador do ABC Paulista. Pretende um dia ir embora pra Pasárgada.

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